quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

(Capa de artigo editado em separata)
Foi editado em separata o artigo de Nelson Campos intitulado "A Odisseia do Ferro do Moncorvo, até à Ferrominas", inicialmente publicado na revista dos Antigos Alunos e Amigos do Colégio Campos Monteiro, em Outubro de 2010 (sob a coordenação de Rogério Rodrigues).
Neste artigo, o autor (membro da Direcção do PARM e organizador do MF&RM na sede do concelho), traça resumidamente o percurso da história das expectativas quanto à exploração do minério de ferro de Moncorvo, desde o século XIX. Passada a fase das ferrarias antigas (em que houve metalurgia do ferro na região), que teve os seus epígonos na Chapa Cunha (no termo do antigo concelho de Mós, hoje freguesia de Torre de Moncorvo), o autor situa o início dessa "história das expectativas" nos anos 70 do século XIX, quando começa a "corrida às concessões", tendo-se chegado mesmo a constituir uma Companhia Exploradora do Ferro da Serra do Roboredo. Desta fase resultou um relatório técnico (publicado em 1880) pelos engenheiros de minas Pedro Victor da Costa Sequeira e Lourenço A. Pereira Malheiro. Esse documento parece ter inaugurado uma extensa bibliografia e é a pedra de toque de todas as expectativas ulteriores. Depois, sobretudo a partir dos anos 90 do séc. XIX, é todo um corropio de geólogos, engenheiros de minas, empresas (inclusive multinacionais) de exploração de minérios, entrando também o ferro de Moncorvo no discurso político. Não faltou quem sonhasse, entre Moncorvo e o Pocinho (ou Foz do Sabor), uma espécie de pequeno Ruhr em Portugal. Tudo isto ainda nos finais do regime monárquico. A navegabilidade do Douro para transporte dos minérios de Moncorvo para Leixões é defendida pelo Engº. Ezequiel de Campos, em 1912. Este técnico (e político da 1ª República), depois de defender a concentração e loteamento do minério de Moncorvo em Leixões, com aplicação da electricidade no processo metalúrgico, vai posteriormente defender que essas operações se realizassem na zona de Lisboa (como viria a acontecer com a Siderurgia Nacional).
O primeiro banho de água fria nesta primeira fase de grandes expectativas parece ter sido o relatório da Schneider & Cie. (grande empresa de capitais franceses ligada à exploração mineira), que concluíu, nos anos 20 do século XX, depois de vários estudos e ensaios em amostras, que o minério de Moncorvo era de difícil aproveitamento industrial, com obstáculos ao enriquecimento, tendo em conta o conhecimento da ciência dos minérios e as tecnologias siderúrgicas de então. Ressalvava-se, contudo, que as reservas de Moncorvo poderiam constituir, mesmo assim, "uma vantagem económica estratégica em conjunturas de esgotamento" (citando Jorge Custódio, in "Moncorvo - da tradição à modernidade", Actas de encontro realizado em Fevº. 2007, ed. CEPESE, 2009).
Apesar desse parecer, as pesquisas e sondagens no terreno (serra do Roboredo e cabeço da Mua) continuariam, sobretudo por iniciativa de um súbdito do império austro-húngaro, Wilhelm Wakonig Hummer, durante a 1ª e até ao início da 2ª Grande Guerra. Constitui-se nessa altura a Companhia Mineira de Moncorvo, que, muito mais tarde, no pós-guerra, anos 60, daria lugar à Minacorvo.
Entretanto, nos inícios dos anos 50, constituíu-se a Ferrominas Ldª., fundada pelos engenheiros Pedro Amor Monteiro de Barros, Professor do Instituto Superior Técnico, e António Branco Cabral, director-geral dos Caminhos de Ferro (e professor convidado do IST). - Na verdade, a laboração da Ferrominas Ldª., com amplo investimento no sector da Carvalhosa, constituíu o único momento de exploração industrial efectiva das minas de Moncorvo, entre 1951 e 1960. Isto explica-se pela alta dos preços dos minérios no pós-guerra, durante a reconstrução europeia, e foi, de certo modo, sol de pouca dura... A partir de 1959 começam a decair as encomendas, e a Ferrominas passa a (sobre)viver com grandes dificuldades, sobretudo depois da exploração em escala das grande minas brasileiras de Itabira, onde os empórios europeus do ferro e do aço se passam a abastecer. Os handicaps do ferro de Moncorvo eram por demais conhecidos, mas, mesmo assim, nova fase de expectativas se abre, com as pesquisas dos alemães (Minacorvo) no cabeço da Mua (2ª metade dos anos 60), com os ensaios realizados numa lavaria-piloto construída na zona, e outros, mais complexos, realizados na Alemanha. Resultados pouco satisfatórios, que ditaram o desinteresse da Minacorvo. Todavia, António Champalimaud, que havia comprado entretanto a maioria das acções da Ferrominas, ainda intentou a exploração, com realização da concentração dos minérios na região, tendo em vista uma fonte segura de matéria-prima para a Siderurgia (Seixal), de que era o principal detentor. Dada a grande distância de Moncorvo ao Seixal, pouco foi o minério que para lá foi, e quanto à concentração e enriquecimento do minério à boca da mina, dados o elevado investimento, nunca se chegou a realizar. Com o 25 de Abril de 1974, a Ferrominas foi intervencionada (passou a E.P. - empresa pública), tendo-se retomado as ideias que pairavam desde Champalimaud. A 2ª metade dos anos 70 e início da década de 80, foi o tempo das últimas grandes expectativas. A concessão da Mua foi adquirida pela Ferrominas E.P., tal como outras, reunindo-se todo o couto mineiro nas mãos da empresa pública, tendo em vista a exploração em grande escala. É nessa altura que se organiza o Museu do Ferro da Ferrominas (no bairro mineiro do Carvalhal). Com base nessas expectativas, acabaria por se desenvolver a povoação do Carvalhal, ao lado da E.N. 220 e do entroncamento para Felgueiras. O novo banho de água fria surgiu em 1986, com o chumbo do projecto mineiro de Moncorvo, até aí considerado estruturante para a economia portuguesa. A decisão governamental seguiu-se à inviabilização, pela C.E.E. (Comunidade Económica Europeia), com cujos apoios se contava, no âmbito do 1º QCA (Quadro Comunitário de Apoio). Ainda durante o processo de adesão e após a conclusão dos estudos técnicos e económicos, foi Moncorvo visitada por altos responsáveis políticos, como o então Presidente da República, general Ramalho Eanes, e o então primeiro-ministro dr. Mário Soares, sempre com o projecto mineiro em agenda, aumentando ainda mais as certezas da população. Chumbado o projecto, logo de seguida acabaria por se liquidar também a Linha do Sabor, que esteve sempre na base da questão mineira, desde o início do século XX.
Em suma, o artigo conclui que a história do minério de Moncorvo, nos séculos XIX-XX, foi acima de tudo uma história de expectativas, e que tudo isto gerou uma imensa literatura, tanto técnica, como jornalística e política. Se não se pode dizer que a Montanha tem parido um rato, quase que assim é.
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O artigo é dedicado "à memória do Engº Gabriel Monteiro de Barros, moncorvense adoptivo, que sonhou para a região um futuro de progresso baseado nas minas de ferro".